Cape Verde
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Jovem empreendedor vai criar laboratório para combater infertilidade masculina

Técnico em laboratório clínico, Emanuel Moreira conta abrir em breve, no Palmarejo, cidade da Praia, o seu próprio serviço de atendimento público, tendo como foco o diagnóstico da infertilidade masculina. A ideia passa por promover a saúde sexual e reprodutiva do homem, combatendo os estereótipos e os preconceitos em torno deste tabu. Além disso, como alerta, “o esperma do cabo-verdiano vem diminuindo de qualidade”.

Com uma experiência de cerca de 10 anos em análises clínicas laboratoriais, Emanuel Moreira, um jovem oriundo de João Varela, Ribeira Grande de Santiago, está em vias de abrir o seu próprio espaço de atendimento para este tipo de demanda. A situar-se no Palmarejo, cidade da Praia, além de exames normais de rotina e diagnóstico especializado, a sua futura clínica cindirá no diagnóstico de infertilidade masculina.

Sim, apesar do preconceito, ou precisamente por causa disso, este problema mundial é algo que afecta também, cada vez mais, a população masculina cabo-verdiana, como dá conta o nosso entrevistado (ver caixa).

“Durante todo o tempo em que trabalhei num laboratório privado, desenvolvi boas relações com todos, incluindo os meus pacientes. Tive um, do interior, que, num exame de espermograma, descobri-lhe que que ele tinha azoospermia, ausência total de espermatozoide no seu ejaculado. Desesperado por não ter um filho com a companheira com quem vivia há vários anos, ele pediu a minha ajuda”…

Na altura, apesar de menos experiente, o nosso entrevistado diz que ficou “sentido” com o pedido. “Respondi-lhe que iria tentar algo e fui à procura das respostas”, recorda.

Para dar conta do desafio que tinha em mãos, Emanuel Moreira diz que recorreu às técnicas da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2010. “Fui enviando os resultados do paciente para os médicos e estes foram me passando os seus feedbacks”, lembra esta história que acabou por ter final-feliz.

Motivado com os resultados, Moreira decidiu continuar nesta senda, no que acabou por ver reconhecido os resultados dos seus esforços por outros colegas do sector.  

“Houve um momento em que os médicos urologistas chamaram-me para me agradecer pelo facto de os meus exames ajudarem no diagnóstico dos seus pacientes. Alguns passaram, inclusive, a recomendar os pacientes que me procurassem, considerando que os meus exames estavam a ser úteis”.

E foi assim, de resto, que, com os anos, Moreira acabaria por desenvolver a ideia do MinLab – Laboratório de Análises Clínicas, a situar-se no Palmarejo, um projecto “ambicioso” que aos olhos do seu promotor. Este, além de licenciatura, conta com uma pós-graduação em Doenças Infecciosas e Tropicais e procura manter-se conectado com o exterior, de modo a acompanhar a evolução do sector.

“A ideia de abrir o meu próprio laboratório nasceu há cerca de seis anos. Participei no concurso de ideias Startup Challenge – BIC, e o meu projecto ficou entre os 10 classificados. Neste sentido, tive acesso à incubação, depois de algumas formações necessárias para a área de negócio”, conta o jovem.

Espermograma detalhado

Para a nova missão a que se propõe, através da sua clinica de atendimento, Emanuel Moreira conta realizar exames de espermograma bem detalhados, com o máximo de precisão, de modo a satisfazer a sua clientela.

“A espermograma, em si, é um exame super subjectivo, onde, no mesmo paciente, dificilmente se consegue ter duas amostras iguais. Isto é, cada amostra depende de inúmeros factores, entre os quais, a pessoa que o faz, o método de o fazer”.

Além disso, que seja do seu conhecimento, nos casos de pacientes com azoospermia (ausência de espermatozoide), “a continuação do processo não se costuma fazer com exames suplementares em Cabo Verde”.

“Se o paciente quiser prosseguir o tratamento, ao ponto de ter um diagnóstico mais preciso, tem de realizar uma biópsia testicular, o que só pode ser feito fora do país. O que queremos é suprimir esta falta, uma vez que nem todos os homens, em Cabo Verde, com problemas de reprodução, têm condições financeiras para viajar e continuar os exames fora do país”, justifica. 

Combater estereótipos e promover a saúde sexual e reprodutiva masculina

 Além de análises laboratoriais, o MinLab conta com uma vertente social que, segundo o seu promotor, Emanuel Moreira, servirá, igualmente, para ajudar a combater os estereótipos ligados à masculinidade existente em Cabo Verde.

“Temos ainda uma sociedade machista em que muitos homens pensam que o único elemento do casal responsável pela não gravidez é a mulher, quando isso não é verdade. Segundo a OMS, a infertilidade é um problema que afecta 10 a 15% da população mundial, tornando assim um problema de saúde pública”.

E, nessa equação, ainda com base nos dados da OMS sobre a infertilidade, Moreira avança que o homem é responsável por 30%, a mulher 30%, o casal 30% e 10% idiopática, ou seja, sem causas aparentes.

Tendo em conta a sua experiência acumulada, Moreira revela que o espermograma, obtida preferencialmente por masturbação, constitui um outro entrave: a maioria das amostras que chegam ao laboratório são as esposas que as levam.

“Os homens precisam ter mais coragem para fazer um espermograma. Há o constrangimento, é certo, resultante desse momento, na recolha do esperma, mas nós, enquanto profissionais de saúde, estamos obrigados ao sigilo rigoroso, por isso não há que ter este tipo de receio”, considera.

Palestras e conversas abertas nas comunidades

Apoiando sempre que possível a Associação Cabo-verdiana de Protecção da Família (VerdeFam) em matéria de saúde sexual e reprodutiva e sendo também um membro da “Laço Branco”, Emanuel Moreira diz que a “causa dos homens” sempre o motivou para dar o seu contributo enquanto activista social.

Agora, através do MinLab, espera realizar palestras e conversas abertas nas localidades para a promoção da saúde sexual e reprodutiva do homem, um domínio normalmente negligenciado pela sociedade, bem como pelas autoridades do sector da saúde pública.

“Muitos homens ignoram o funcionamento do seu sistema sexual, ou reprodutor, sequer dominam os cuidados a ter com a sua saúde sexual, este é por isso um dos primeiros assuntos que queremos abordar com eles”, adianta Emanuel Moreira, que diz ter agendado para os próximos dias uma conversa aberta sobre este tipo de assunto com os homens na comunidade de Cruz Grande, interior de Santa Catarina de Santiago.

O esperma do cabo-verdiano vem diminuindo de qualidade

Em Cabo Verde, segundo Emanuel Moreira, não existe ainda nenhum levantamento de dados sobre a infertilidade, nomeadamente, a masculina. No entanto, da sua observação profissional, com mais de dez anos, leva-o a concluir que a qualidade do esperma dos cabo-verdianos vem diminuindo; e, cada vez mais, “os jovens estão sendo vítimas desse problema devido a vários factores de risco”.

 Factores de risco

O entrevistado ao A NAÇÃO explica que a infertilidade em si, neste caso a masculina, está sujeito a muitos factores de risco, nomeadamente, genéticos, hormonais, traumas, infecções, estilos de vida, etc.

 “O estilo de vida (por exemplo, a falta de exercícios físicos) pode ser considerado um dos factores de risco para a infertilidade, assim como o uso de álcool e drogas. Por outro lado, o uso de anabolizantes, por pessoas que frequentam ginásios, é também um factor de muito risco para a fertilidade”, alerta.

Ainda entre as razões de saúde, Emanuel Moreira aponta a Varicocele, uma dilatação na veia que irrita o testículo e que faz com que o homem tenha menos fluxo e condições para o esperma se desenvolver.

Fora os factores atrás referidos, o nosso entrevistado aponta também a “idiopática”, neste caso, a causa da infertilidade é desconhecida. 

 Precauções

Considerando todos estes “factores de risco”, Emanuel Moreira diz que as precauções devem ser sempre tomadas e que os homens precisam considerar o seu corpo como “algo especial”, isto é, algo que não pode por isso ser maltratado ou negligenciado.

“A partir do momento em que consideramos o nosso corpo, como algo especial, passamos a cuidar melhor dele. Os homens, neste caso os cabo-verdianos, precisam cuidar mais da sua saúde, ainda por cima, num tempo em que a tendência é deixar a ‘paternidade’ para mais tarde, numa altura em que o corpo humano já passou por vários tipos de desgaste. Daí a necessidade de procurarem os profissionais de saúde enquanto é tempo”, conclui. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 779, de 04 de Agosto de 2022

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