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A China, Taiwan e a Coreia do Norte

Numa entrevista recentemente concedida ao The Diplomat, o ex-ministro da Defesa do Japão, Morimoto Satoshi, disse que a China tentará anexar Taiwan sem provocar uma intervenção americana. Satoshi, mais perspicaz do que um ninja, foi muito claro: “A China deseja a incorporação de Taiwan na China num cenário em que os Estados Unidos não intervenham ou que intervenham o menos possível. A China pretende concretizar o seu objectivo sem recorrer à força.” Como pode a China tentar realizar este objectivo?

Na minha opinião, um dos cenários mais prováveis é o da instrumentalização da ameaça da Coreia do Norte como meio de deflexão geoestratégica. Expliquemos. Pyongyang é inteiramente dependente de Pequim. As afinidades ideológicas e históricas entre os dois regimes são profundas e inabaláveis. Os seus interesses geoestratégicos são idênticos e a estreita coordenação entre os dois regimes no domínio da política estrangeira é, há muito, um segredo público relativamente negligenciado por eruditos analistas da política internacional.

Imaginemos que Pequim ordenasse a Pyongyang que intensificasse dramaticamente a intimidação da Coreia do Sul e do Japão com lançamentos frequentes de ICBM’s e os complementasse com uma mobilização militar massiva no paralelo 38N, reminiscente do recente abraço do urso russo na Ucrânia. Além disso, a Coreia do Sul seria sujeita a devastadores ciberataques e a campanhas de desinformação organizadas por Pequim, mas executadas a partir do território norte-coreano. Actos de sabotagem, assassinos políticos e diversas formas de subversão política não reclamadas seriam atribuídas pelo senso comum ao lunático que lidera a Coreia do Norte.

Pequim, protegida pela ausência de provas conclusivas e pelo conceito nebuloso da “negação plausível”, argumentaria, com propriedade, que a Coreia do Norte é um país soberano. As elites políticas ocidentais e os media depressa interpretariam, com alguma trepidação, as acções de Pyongyang como uma reconstituição sinistra da coreografia russa.

Os que não acreditam em coincidências cósmicas e no transcendente detectariam a “mão invisível” da mais comezinha manipulação maquiavélica e, perplexos, interrogar-se-iam: será esta uma tentativa de manipular o medo e o trauma da guerra (Ucrânia) com o nefasto objectivo de induzir uma debilitante paralisia nos decisores políticos e nas massas incautas e amedrontadas? Debates intermináveis e fervorosos. Os ditos decisores redefiniriam o estado lastimável da sua cognição como uma política intencionalmente formulada e implementada: “ambiguidade estratégica.” Eles e elas, melhor do que ninguém, sabem que os cidadãos aterrorizados pouco gostam de líderes que não lideram. Imagino os cabeçalhos dos jornais: Ucrânia redux? A guerra pareceria eminente, Kim seria o novo Putin e muitos não se atreveriam a acusar o sorumbático Xi de coisa alguma.

Mil e quatrocentos milhões de consumidores compram muitos fogões Siemens e carros Volkswagen. É imperativo preservar o acesso ao colossal mercado chinês, dirão os mercantilistas pragmáticos e os estrategistas utilitários. Eis que, subitamente, o supremo líder do Comité Central do Partido Comunista Chinês, movido pelos mais veneráveis valores humanísticos e por um notável espírito messiânico, oferece os seus préstimos à comunidade internacional para mediar a crise na península coreana e “evitar uma guerra trágica que ninguém deseja”.

Fareed, sempre pertinente e nunca sucumbindo ao mais insípido moralismo universalista que tudo promete sem nada dar, entrevistaria o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, que lhe garantiria que tudo está a ser feito para demover Pyongyang. Dois dias após a histórica entrevista, o general Munchausen explicaria, de forma clinicamente precisa, a dramática situação geoestratégica na península coreana: “Washington, Tóquio e Seul estão presentemente confrontados não com uma (Taiwan), mas com duas (+ Coreia do Norte) potenciais crises militares. O que fazer? Alguém terá de ceder.”

Ceder o quê, a quem? Taiwan à China, naturalmente. A mediação tem custos. Materialismo histórico em todo o seu esplendor. Mais tarde, a China cederá a Coreia do Sul à Coreia do Norte e todos viveremos felizes para sempre.