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A culpa da ascensão dos populistas de direita é dos corruptos e dos wokes esquerdistas

Os educadores das massas apanharam um grande Meloni (eu sei, desculpem, a piada é fácil e de mau gosto, mas a constatação é boa).

Vai por aí uma grande inquietação - basta ler o que hoje e nos próximos dias se escreverá em colunas de opinião - com a (putativa) vitória de Meloni em Itália (à hora em que escrevo estas linhas ainda não se conhecem os resultados, mas, seja como for, o resultado merecerá sempre atenção). E, com este pretexto, com aquilo que alguns designam de ascensão da direita populista na Europa.

Tenho uma boa e uma má notícia: a boa, é que no fim isto não tem que ser necessariamente assim; a má, é que isto ainda está longe do fim. Mas tenho uma tese: os culpados desta ascensão são os corruptos e os coniventes do status quo e os wokes da esquerda progressista.

Explico com uma imagem simples, para que os esquerdistas radicais percebam: arranjem uma tina cheia de água e uma bola de ping-pong e empurrem a bola para o fundo da tina. Verificarão, então, que a bola tentará escapar à pressão, e que, quando o conseguir, saltará com grande impulso para fora da tina.

Explico a metáfora: a bola é a sociedade, os eleitores; a mão que empurra a bola são os extremistas de esquerda e os corruptos e coniventes do status quo. Quem são os populistas de direita, pergunta o leitor atento? São os que se aproveitam do impulso violento da sociedade quando esta reage aos sucessivos empurrões (sublinho aqui: aproveitamento, impulso violento e reacção).

Eatwell e Goodwin escreveram há poucos anos um livro sobre o populismo, ao qual vale a pena voltar. Simplificando a complexa história, o argumento é que a política no ocidente está a ser redesenhada por quatro grandes tendências: a desconfiança das elites; o desalinhamento do eleitorado face aos partidos tradicionais, que aos seus olhos representam essa elite; a destruição da noção de comunidades locais e nacionais em nome do globalismo; e a privação relativa dos muitos face à riqueza dos poucos.

Há menos de 10 anos, um relatório da Comissão Europeia apontava para 120 bilhões de euros como o custo anual da corrupção na Europa. Parece muito? Esqueçam: é só um amuse-bouche. Preparem-se para o banquete. Cecilia Malmstrom, à época comissária europeia de Assuntos Internos, anunciou o prato principal: "a corrupção mina a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e o estado de direito".

A corrupção - e a percepção sobre a sua existência - é um ácido que corrói as instituições democráticas e o estado de direito. Isto tem tudo a ver com as elites, relativamente a quem a desconfiança se agudiza, e aos partidos tradicionais de poder, relativamente aos quais o desalinhamento aumenta. Por cada figura do status quo que contemporiza, é conivente ou corrompe, há 10, 100 ou 1.000 eleitores que saltam da tina.

Qual é, então, a parte da culpa dos woke neste cenário? Com as suas imposições morais, de gosto e de linguagem; desrespeitando tradições, incendiando passados e infernizando presentes; corrigindo o que se pode dizer, estipulando o que se pode comer, determinando o que pode pensar, reescrevendo o passado para nos condenar no futuro; de cada vez que estes globalistas do cancelamento se impõem, há mais 1.000, 10.000 ou 100.000 que saltam da tina.

Entre a percepção de corrupção, a violência ideológica sobre os usos e costumes e a percepção das assimetrias económicas, tudo isto amplamente aumentado pelas redes sociais, aos dos discursos de sentido contrário basta esperar pelas bolas que saltam para as recolher.

Dizia que por estes dias muito se falará da ascensão da direita populista. É preocupante, sim. É preocupante porque a direita populista representa - do ponto de vista dos princípios fundamentais do estado de direito e das democracias constitucionais - tudo o que a esquerda e a direita democráticas sempre combateram. Estou à vontade, porque há quase dois anos subscrevi um manifesto no Público - A clareza que defendemos - em que derrogava, sem adversativas, qualquer proximidade com a amálgama entre a direita democrática e estes fenómenos populistas emergentes.

Mas, desculpem lá, não sejam hipócritas…

A senhora Meloni é, diz-se por toda a Europa, herdeira dos fascistas italianos, que foram responsáveis pelas atrocidades do Duce e co-responsáveis pelas atrocidades do Eixo. O símbolo dos Fratelli d' Italia ostenta o facho desse tempo. Acho isto deplorável: uma porca miseria. Mas relembro que o Partido Comunista Português é herdeiro da tradição estalinista da URSS e ostenta a foice e o martelo sob a qual se cometeram as maiores atrocidades políticas da História. E recordo como, plácida e oportunisticamente, António Costa anunciou em 2015 que tinha derrubado o muro na política portuguesa.

Ainda se lembram das avenidas de Lisboa e Porto repletas de pendões comunistas a celebrar o centenário do horror? Contemporizaram? Então agora aguentem os fachos em Roma, a celebrar a Marcha sobre a cidade. Foi há 100 anos. Já só falta um mês.

Mas há esperança. Dizia que isto não tem que acabar assim. Churchill, feroz inimigo dos extremismos de esquerda e de direita, dizia, indagando como afirmação de alternativa: “Não temos nós também uma ideologia própria — se tivermos de usar essa palavra horrível, “ideologia” — na liberdade, numa Constituição liberal, no governo democrático e Parlamentar, na Magna Carta e na Petição de Direitos?”

A resposta é afirmativa: temos. O estado ambicionado pela generalidade das bolas de ping-pong é a flutuar calma e livremente na tina, sem forças opressivas que as desinstalem. À esquerda e à direita democráticas cabe dar resposta a isso, pugnando pelo seu bem-estar e pelo seu direito a serem felizes com as suas próprias opções. Até lá, é lidar.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia.