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Entre ameaças e dúvidas para o Tour, uma vitória de mãos dadas para Roglic e Vingegaard

Em tempos, Primož Roglič chegou a dizer que a sua mentalidade era a de "estar sozinho e não depender nunca de ninguém". Ora, neste momento essa ideia deve estar tão distante da cabeça do esloveno como longínquos são os dias em que saltava com os esquis, antes de se dedicar a pedalar pelas estradas do mundo.

Roglič é o crónico dominador da Vuelta, com triunfos nas três últimas edições da competição espanhola. Roglič coleciona também uma série de outras glórias (campeão olímpico de contra-relógio, Liège-Bastogne-Liège, Tirreno-Adriático, Volta ao País Basco, Volta à Romândia...), muito devido ao trabalho de elite feito pela Jumbo-Visma, uma das principais formações do pelotão internacional.

Apesar de tudo o que o esloveno tem conquistado, França mantinha-se — e, de certa maneira, talvez se mantenha — como a espinha encravada na sua carreira. A desilusão principal deu-se no Tour de 2020, quando perdeu, de maneira inesperada, a geral final para Tadej Pogačar — o seu compatriota nove anos mais novo e rival. No ano seguinte, as quedas levaram-no a abandonar a principal prova do calendário, assistindo do sofá a nova consagração de Pogi.

A maldição em terras gaulesas começou a ser quebrada este ano, justamente com o apoio indispensável da equipa que o rodeia e que o terá levado a abandonar a mentalidade individualista que em tempos professou. No Paris-Nice, em março, a ajuda do seu colega Wout van Aert — uma das maiores estrelas do pelotão internacional — levou-o a começar a afastar os traumas em torno das provas franceses. Esse caminho continuou a ser percorrido agora, com o triunfo no Daupinhé, outra das principais competições de uma semana e, juntamente com a Volta à Suíça, palco preferencial de testes e afinações para o Tour, que começa a 1 de julho em Copenhaga.

Numa corrida inteiramente dominada pela Jumbo-Visma, que viu Van Aert conquistar duas das cinco primeiras tiradas, a montanha foi cenário onde a formação neerlandesa não teve oposição. Na primeira grande jornada empinada, Primož deixou toda a concorrência para trás. Na segunda tirada de alta montanha, a qual fechou a competição, o esloveno cruzou a meta ao lado do dinamarquês Jonas Vingegaard, que arrebatou a jornada numa exibição de poderio.

"Finalmente ganhei algumas corridas em França, é muito bom", desabafou, no final, Primož Roglič. Na subida final, a Jumbo fez um "trabalho soberbo", como sublinhou o seu líder.

Se Tadej Pogačar parece ser considerado, de forma unânime, o mais forte dos candidatos ao Tour, a Jumbo sabe que terá de basear a oposição na força do coletivo. E, no Daupinhé, fez uma espécie de ameaça ao resto do pelotão, mostrando todo o seu poderio. Steven Kruijswijk conseguiu deixar quase toda a concorrência para trás, ficando só Roglič e Vingegaard na frente quando o dinamarquês atacou.

Vingegaard é um escalador de elite, capaz de fazer segundo no Tour do ano passado, quando Roglič estava fora de competição. Numa equipa de luxo, o nórdico é, na teoria, uma das cartas de um baralho que tentará levar Roglič a derrotar Pogačar e vencer a corrida que mais deseja, mas o Daupinhé, além de deixar a ameaça da Jumbo, também pode ter colocado algumas dúvidas.

Jonas Vingegaard pareceu o mais forte na ascensão final, dando a sensação de ter abrandado para não deixar o seu líder para trás. No final da etapa, questionado sobre as ambições da Jumbo para o Tour, o dinamarquês, no seu estilo meio tímido, disse que a equipa ia "tenhar ganhar a corrida" com "um de nós", deixando a porta aberta a alternativas à liderança única e incondicional do esloveno. Se, nas montanhas do Tour, as qualidades de trepador de Vingegaard levarem o dinarmarquês a ser uma oposição mais firme a Pogačar, caberá ao conjunto neerlandês tomar decisões.

dario belingheri/getty

Mais atrás da dupla que dominou a corrida terminou Rúben Guerreiro, que foi quinto na etapa final, depois de já ter sido quarto na terceira tirada. O corredor português da EF Education-EasyPost terminou o Daupinhé em nono lugar da geral, um excelente resultado na antecâmara do Tour.

Aos 27 anos — cumprirá 28 durante a Volta a França —, Rúben Guerreiro regressará a uma corrida na qual foi 18.º no ano passado. Parecendo consolidar a sua progressão como homem capaz de escalar perto dos melhores, as indicações de Guerreiro para o Tour abrem a porta à esperança — o próprio já falou na possibilidade de tentar repetir o feito do Giro de 2020 e lutar pela camisola da montanha.

Com mais ou menos dúvidas, é, ainda assim, unânime que Primož Roglič é o grande opositor à extensão do domínio de Tadej Pogačar no Tour. Enquanto acumula triunfos em corridas de uma semana e se habitua a ganhar em França, o mais velho dos eslovenos usou humor para falar sobre a sua relação com a corrida gaulesa, cheia de percalços e adversidades, algo contrastante com a segurança que evidenciou no seu trio de vitórias na Vuelta: "Agora vem aí o Tour, que será a preparação para a Vuelta". A pouco mais de três semanas do arranque do grande momento anual do ciclismo, os dados vão sendo lançados.