Brazil
This article was added by the user . TheWorldNews is not responsible for the content of the platform.

Sérgio Vaz: 'não sou de esquerda, sou do porão'

'Além de a poesia organizar o povo, ela prepara para este mundo que está aí', afirma fundador do Sarau da Cooperifa; assista



Por Pedro Alexandre Sanches, do Opera Mundi - O poeta Sérgio Vaz, fundador da Cooperação Cultural da Periferia (Cooperifa), definiu em entrevista ao programa 20 MINUTOS com o jornalista Breno Altman desta segunda-feira (06/06) o lugar do qual e irradia sua poesia: “eu não sou da esquerda, sou do porão, do povo de baixo, que está com raiva, que passa fome. A gente precisa fazer com que este país pense a partir de baixo”. 

Idealizado em 2001 por ele e pelo poeta, dramaturgo e jornalista Marco Pezão, o Sarau da Cooperifa tem significado nesses 21 anos um processo de tomada de poder para a população periférica, que assim passou a se organizar para criar com as próprias mãos o cinema, o teatro e o espaço cultural que o Estado não se dispunha a oferecer. 

Com saraus, slams e batalhas de rima, o povo está se reunindo em torno da palavra, segundo o poeta. “Além de a poesia organizar o povo, ela prepara para o mundo que está aí. Este país que o Brasil está vivendo hoje nós já conhecemos desde sempre”, afirmou durante a entrevista. 

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Mesmo pertencendo antes de tudo ao “porão”, Vaz diz se identificar com a esquerda, declara voto em Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 e classifica os saraus como uma iniciativa destinada a politizar as periferias. E manifesta orgulho por não depender de dinheiro público para manter os saraus, apoiados prioritariamente por professores, metalúrgicos, poetas, rappers, profissionais da saúde, autônomos etc.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

“O Sarau da Cooperifa é quando a poesia desce do pedestal e beija os pés da comunidade. Sempre achei que era necessário dessacralizar a literatura. Sagrado não é quem escreve, é quem lê", disse, apontando que, a partir desses conceitos e do extremo sul paulistano, o movimento orbitou a partir de locais como Jardim Guarujá, Parque Santo Antônio, Jardim São Luiz e Jardim Ângela, esse último considerado, em 1996 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o lugar mais violento do mundo.

A Cooperifa, organização sem sede, surgiu cujo ponto de partida foi transformar botecos em centros culturais. Para Vaz, a periferia sempre se encontrou no bar para falar dos problemas e da vida, o que tornou aquele ambiente o espaço público por definição das camadas mais desassistidas pelo Estado brasileiro. A iniciativa da cooperação cultural inseriu a literatura e a poesia nesse cenário, sob inspiração marcante também da MPB, dos bailes black, do hip-hop e do futebol de várzea. 

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Para ele, os saraus vieram a reboque do hip-hop, o primeiro grito cultural emanado das periferias e da população mais pobre. "Como negaram a literatura e a poesia para nós por tanto tempo, nós tomamos de assalto. A literatura periférica nos representa de uma forma que a gente não se via representado. Por isso é importante a literatura negra e periférica”, conceituou. 

Dos saraus, o movimento foi-se ampliando continuamente em iniciativas como Sarau nas Escolas, Poesia contra a Violência, Cinema na Laje, Mostra Cultural Cooperifa e Várzea Poética, entre outras.

“Vejo a periferia como um país, uma nação, e vejo o movimento de saraus como nossa bossa nova, nossa primavera árabe, nosso cinema novo, tudo ao mesmo tempo. Agora, a gente quer tudo, e de uma vez só”, resumiu o poeta, que, para ilustrar o vínculo entre poesia e música, contou quando serviu o Exército, no ano de 1983, e foi repreendido por um oficial por ouvir “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré, “música de comunista, de Che Guevara, de zapatista”. O episódio o levou a descobrir a um só tempo as metáforas, a poesia e o engajamento político.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Autor de livros de poesia como Subindo a Ladeira Mora a Noite (1988), Colecionadores de Pedras (2007) e Flores de Alvenaria (2016), Vaz credita ao histórico livro Quarto de Despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus, o impulso para criar uma identidade literária própria, nos planos individual e coletivo.

“Quando li Quarto de Despejo, eu pensava em escrever como Ferreira Gullar, Bertolt Brecht, Arthur Rimbaud, Cecília Meirelles, João Cabral de Melo Neto. Com o tempo, a periferia me ensinou que eu tinha que escrever como Carolina de Jesus, Cuti, Carlos de Assumpção, Akins Kintê. Foi muito importante me reconhecer como gente do lugar em que vivo e retornar para minha comunidade tudo que aprendi em forma de poesia”. 

Poesia e educação

“A Cooperifa escolheu ser o leão da selva. Tem dia que não almoça, tem dia que não janta, mas é livre”, explicou. Por isso mesmo, a distribuição da literatura periférica depende em grande medida da própria comunidade e da circulação das obras e dos autores pelos vários saraus que foram se edificando desde a fundação da cooperação: “a gente ainda sofre o preconceito das livrarias. Elas de alguma forma não gostam da literatura negra e periférica”.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Além da cultura propriamente dita, Vaz demonstrar priorizar a relação do movimento com a educação pública, por entender que “a escola é o melhor lugar da quebrada”. “A gente é parceiro dos professores e professoras que estão abandonados pelo Estado, pela mídia e pela sociedade. Estar junto para nós é uma obrigação”, disse. 

Vaz coloca como objetivo crucial do Sarau da Cooperifa o ato político de auxiliar a população periférica a compreender, por intermédio do conhecimento, por que e contra quem se sente revoltada, por que mora na favela, por que sofre racismo e assim por diante. "o povo brasileiro é uma criança, quem pega na mão leva”, definiu. 

Da atividade cotidiana junto às escolas, ele evoca a indagação que provocou em um aluno, ainda nos primórdios da Cooperifa: “professora, como ele é poeta se todo poeta já morreu?”. Invertendo há 21 anos um sistema lógico arraigado na realidade brasileira, Sérgio Vaz segue fomentando a partir das margens sua sociedade de poetas vivíssimos.