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A dura tarefa do adeus: é Milan Kundera e o ano é 1976

Um trompetista mulherengo, uma enfermeira de esperanças, uma beldade ciumenta, um ginecologista eugenista, um dissidente angustiado e um cristão hedonista encontram-se numa estância termal. Esta sinopse anedótica poderia definir as primeiras dezenas de páginas de “A Valsa do Adeus” (1976), que parecem anunciar uma comédia libidinosa e amoral, com traços de misoginia, povoada de homens devassos e mulheres castradoras.

E nesse registo Kundera escreve páginas sem contemplações acerca de temas como a beleza e a fealdade, as armadilhas do desejo ou o rancor da meia-idade. Mas à medida que a história avança, cruzando diferentes eixos narrativos, em subcapítulos curtos e magistralmente encadeados, o romance acentua a densidade e a tragédia. Aos habituais excursos ensaísticos, ainda que dialogados, sobre Hegel e São Simeão Estilita, o socialismo de vigilância ou a necessidade da procriação, soma-se uma notória progressão da misoginia para a misantropia, da auto-ilusão para a autodescoberta. Reunidas por diversos motivos, as personagens vão interagindo (embora nunca tenham toda a informação que o leitor já tem), entendem-se, desentendem-se, desiludem-se, tornam-se mais conscientes e mais pessimistas. Todas carregam uma mitologia, uma forma de superioridade moral, seja a gravidez, a ciência ou a resistência política, mas todas vão percebendo, numa ágil sucessão de episódios, que estão enganadas acerca de si mesmas e dos outros. A “valsa do adeus” refere-se à visita às termas de um antigo preso político que conseguiu autorização para emigrar, e que se quer despedir dos amigos; mas toda a gente neste romance diz adeus a alguma coisa, seja à maternidade, ao patriotismo ou à conjugalidade, aceitando, na medida do possível, a ambiguidade e a debilidade da natureza humana. / Pedro Mexia

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