Portugal
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Gerir quando quase tudo é “volátil” e “imprevisível”

Os últimos três anos estão a ser, no mínimo, desafiantes para a Herdmar — uma empresa portuguesa de fabrico de talheres de mesa que já soma 110 anos. Primeiro foi a pandemia, que os obrigou a reduzir a atividade durante 60 dias e a entrar em lay-off. Depois, em janeiro de 2021, com dificuldade em arranjar a matéria-prima (aço inoxidável), pensaram em parar de novo a produção, mas resistiram, mudaram o modelo de negócio e fecharam o ano com um aumento de 50% nas vendas.

Já em 2022, quando o custo do aço inoxidável aumentou 300%, voltaram a pensar na Herdmar o mesmo mas, mais uma vez, “felizmente, não se verificou”. Mas, desde junho, quando terminou o contrato de preço fixo de eletricidade que tinham, a fatura aumentou 500% face ao que pagavam no início do ano, mesmo com os sistemas de produção em autoconsumo que instalaram em 2021. E agora, com a inflação a disparar, “os custos operacionais aumentam e os clientes não compram tanto” conta a administradora, Clara Marques. “O empresário industrial está habituado a viver em instabilidade, mas agora está tudo mais volátil e o longo prazo vira curto”, acrescenta.De facto, repara o presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Vítor Neves, “de repente, juntaram-se muitas variáveis e incertezas. Temos uma inflação de 8% ou 9%, os bancos estão a reagir com taxas de juro mais altas e temos a guerra e os impactos no preço da energia”.

Ou seja, as empresas portuguesas estão viver uma situação inédita que tem impactos diretos e imediatos no negócio, diz o vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro. Desde logo, com o aumento dos preços da energia e dos materiais que se refletem nos custos operacionais. E depois, com as taxas de juro, porque “a maior parte das empresas são PME com níveis de capitalização muito baixos e muito dependentes de financiamento”, diz o economista João Costa Pinto. Tudo junto, diz ainda, “complica mais a competitividade das empresas portuguesas”, que já têm dificuldade em “jogar o jogo internacional”, acrescenta Vítor Neves.Por isso é que, diz o presidente da AIMMAP, apesar da resiliência que as empresas têm mostrado — em particular as da indústria do metal que este ano já registaram três meses consecutivos com mais de €2000 milhões em exportações (ver números e gráficos) — as perspetivas para o resto do ano não são animadoras e “2023 apresenta-se como um ano desafiante e muito imprevisível”. Mesmo com os mecanismos de apoio que já foram criados e com outros que estão em cima da mesa, como a descida do IRC.

Críticas ao Governo

Na conferência de quarta-feira organizada pelo Expresso e pela AIMMAP estiveram três economistas, dois empresários e dois representantes de duas associações empresariais. E quase todos eles criticam a ação do Executivo na resposta ao aumento da inflação. “Não tenho nada contra o Governo, mas não há nenhum combate à inflação, que não me parece ser de curta duração. Há uma tentativa de mitigar a dor das famílias”, diz o economista Augusto Mateus. De facto, diz Clara Marques, as medidas de apoio às empresas não só “foram escassas e tardias”, como obrigam a recorrer a mais endividamento e com taxas de juro mais altas. Até o IRC, cuja redução está em cima da mesa, não é consensual. “Temos 30 mil empresas em Portugal que pagam 70% do IRC. Não é uma medida abrangente”, diz Armindo Monteiro.Mais do que medidas de curto prazo, a prioridade do Governo devia ser fazer mudanças estruturais, porque os problemas económicos e sociais do país já existiam antes da inflação de agora. Por isso é que o economista Leonardo Costa diz que a prioridade do Governo devia ser o aumento da produtividade, a retenção da mão de obra qualificada no país e a melhoria da gestão nas PME, onde “há chefias que têm menos qualificações que os seus trabalhadores”, comenta.

E é, por isso, que Clara Marques sugere uma redução dos impostos que as empresas e os funcionários pagam sobre os salários. Ou que Armindo Monteiro pede que não seja esquecida a transição digital e, em particular, a energética. Porque, como Miguel Gil Mata, administrador da Adira — uma empresa de fabrico de máquinas para dobrar e modelar chapa — “a situação é de emergência e não precisamos de ser independentes, basta reduzir o consumo”. E aqui o empresário aponta o dedo a todos, incluindo à sociedade. “Estamos a ser muito lentos. Podemos ser uma potência solar e há muito dinheiro para este tipo de projetos”, repara.

15

mil é o número estimado de empresas de metalurgia e metalomecânica, nas quais trabalham 240 mil pessoas

206

é o número de mercados para onde exporta. Europa é o principal, mas os EUA estão a ganhar força

14%

foi quanto representou no PIB em 2021, fazendo deste sector o que tem maior peso na economia

19,9

mil milhões de euros foi o valor das exportações em 2021, sendo o sector mais exportador do país, à frente do turismo (€9,9 mil milhões)

Gerir em tempos de inflação

A indústria metalúrgica e metalomecânica é um sector que representa 14% do PIB português. A grande questão é como vão essas empresas lidar com a crise energética e económica. “Gerir em Tempos de Inflação” foi precisamente o tema da conferência organizada pelo Expresso e pela Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), integrado no ciclo Discutir o País.

Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de setembro de 2022