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“O Acontecimento”, de Annie Ernaux: do aborto se fez literatura

No início desta novela assumidamente autobiográfica, a narradora, quase sexagenária, está num consultório médico, à espera do resultado de um teste de VIH. Uns meses antes, “num ato de fraqueza”, aceitara voltar a ver um homem com quem já não se relacionava e temia que ele tivesse vindo de Itália apenas para lhe transmitir o vírus da sida. O ano é 1999, a fase mais negra da pandemia já ficara para trás, os cocktails eficazes de medicamentos haviam reduzido a mortalidade, mas a palavra ‘seropositivo’ ainda queimava, ainda guardava uma aura de espada de Dâmocles, de porta maldita que ninguém espera ter de abrir.

Quando a médica, com um “ar feliz e cúmplice”, lhe anuncia que o resultado é negativo, à sensação de alívio imediato sobrepõe-se a consciência de já ter vivido um momento semelhante, aos 23 anos, no dia em que esperou o “veredicto” do seu ginecologista “com a mesma aflição”. Nessa altura, ao dizer-lhe que estava grávida, o doutor N. empurrou-a, sem escapatória, para “uma experiência humana total”, vivida “de uma ponta a outra através do corpo”, tocando os limites “da vida e da morte, do tempo, da moral e da interdição”.

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