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Robin Hanson: "É preciso questionarmo-nos sobre quantos dos seres futuros estarão interessados em fazer simulações de nós"

E se as criaturas do futuro, que nos simularam, nos observam por prazer? Que interesse teriam neste momento particular da História? Quão interessante e crítico para o futuro é cada ser humano? E em quanto tempo devem os simuladores estender cada vida? O economista Robin Hanson pensa, há mais de duas décadas, sobre o tema com contornos de "Matrix", mas que não se apresenta, de todo, como uma "ideia maluca". Investigador do Future of Humanity Institute da Universidade de Oxford, Hanson defende que até é "mais provável que estejamos exatamente onde pensamos que estamos", e explica porquê. Nesta entrevista ao Expresso, no entanto, admite que o ser humano está prestes a confrontar-se com a importante decisão de povoar ou não outras galáxias. Nesse futuro "realmente poderoso", os seres "poderão passar algum tempo a simular o passado", pelo que "é preciso questionarmo-nos sobre quantos desses seres estarão interessados em simular-nos".

Quais são os argumentos que favorecem a teoria de que estamos a viver numa simulação eletrónica?
O melhor argumento é o de que, quando olhamos para o nosso futuro, vemos crescimento contínuo da nossa capacidade tecnológica, e parte dessas competências seria para fabricar criaturas como nós e controlar o que elas veem, colocá-las num qualquer mundo. Esse parece ser um dom que os nossos descendentes terão. Se os nossos descendentes forem imensos, uma pequena fração dos seus recursos dedicada a essa tarefa pode criar uma grande quantidade de pessoas como nós, que se preenchem e realizam com aquilo que veem.

"Se acontecer daqui a mil milhões de anos, haverá um enorme espaço possível de cenários em que estas criaturas podem ser colocadas. Nós somos apenas uma pequena fração de todos esses ambientes possíveis."

Presumivelmente, no futuro, a maioria das criaturas será bastante consciente do mundo em que vive, do que está a fazer e porquê. Mas poderão produzir algumas criaturas no futuro que não saberão o que estão a fazer, que já terão distração suficiente com aquilo que veem diante dos seus olhos. Uma fração dos recursos futuros será gasta na criação desses seres, que serão como personagens de um videojogo ou de um filme. Mas, mesmo que isso constitua uma pequena parte daquilo que nos espera no futuro, pode ainda ser uma quantidade elevada, quando comparamos com a atualidade. Digo isto porque o nosso futuro, o que existirá, poderá ser biliões de vezes mais abrangente do que aquilo que vemos hoje. É um jogo da relatividade dos números.

As questões-chave são: quão abrangente será o futuro? Que percentagem dos recursos será colocada nestas experiências? Em que cenários ilusórios serão estas criaturas colocadas? Se isso acontecer daqui a mil milhões de anos, haverá um enorme espaço possível de cenários em que estas criaturas podem ser colocadas. Nós somos apenas uma pequena fração de todos esses ambientes possíveis.

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Tem alguma teoria para responder a essas perguntas que coloca?
Eu defendo que não é muito provável que estejamos numa simulação.

Porquê?
Quando as pessoas estão interessadas no seu passado, quão rapidamente esse interesse desvanece, ao longo do tempo? Imagine pessoas de daqui a milhões de anos que estão interessadas no seu passado. Essa seria uma das razões para terem criado simulações do seu passado: esse interesse. Quando for possível criar simulações, presumivelmente a maior parte delas será de um momento presente ou do passado recente. O interesse deles ficaria mais fraco ao longo do tempo. Se hoje olharmos para os nossos filmes, livros e videojogos preferidos, a maior parte deles foca-se no nosso passado recente ou na atualidade. Se entrarmos mais profundamente no nosso passado, o número de coisas que merecem a nossa atenção diminui. Interessamo-nos por mais histórias do século XXI do que do século XIX. Haverá ainda menos histórias do Egito Antigo em que teremos interesse.

"No futuro, poderá haver imensas simulações do passado, mas nós, do tempo presente, estaremos já muito longe desse futuro."

Compreendo empiricamente, mas em que estatísticas se baseia para o dizer?
O Google Ngram é uma base de dados de livros, e mostra com que frequência qualquer frase ou palavra foi usada nas obras ao longo dos tempos. Podemos pesquisar por um ano, como "1960", e verificar com que frequência esse ano foi mencionado em livros. Esse interesse aumenta quando estamos em torno desse ano, e vai decaindo lentamente após essa data, o que nos diz que a maior parte do tempo em que as pessoas escreveram sobre 1960 foi logo após esse ano, e não tanto antes desse ano. Logo em seguida, esse interesse começa a decrescer. Estamos mais interessados no nosso passado recente, porque o maior número de referências concentra-se logo após o acontecido, por exemplo, nos cinco anos que se seguiram a 1960. Dez anos depois, três quartos das referências a esse ano já tinham sido feitas. Vinte anos depois, essa percentagem aumenta para 90%.

"Há mais criaturas como nós, que sabem onde realmente estão, do que pessoas que foram levadas a acreditar que estão a viver em 2022 quando, na realidade, estão em 2300."

Por isso, no futuro, poderá haver imensas simulações do passado, mas nós, do tempo presente, estaremos já muito longe desse futuro. Porque não vamos conseguir fazer simulações nos próximos dez ou 30 anos... Fá-lo-emos no próximo século ou daqui a milhares de anos, e, nesse momento, o interesse deles em nós será bastante diminuto. Portanto, é mesmo mais provável que nós estejamos exatamente onde pensamos que estamos. O mais provável é que eu e você sejamos reais. Há mais criaturas como nós, que sabem onde realmente estão, do que pessoas que foram levadas a acreditar que estão a viver em 2022 quando, na realidade, estão em 2300, por exemplo.

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Por que é que nos assalta este medo de que nada disto seja real?
Em primeiro lugar, não é uma hipótese maluca. Talvez pessoas malucas estejam mais dispostas a acreditar nela, mas isso não a torna uma hipótese maluca, não significa que estejamos errados. Temos realmente de pensar nestes números. A ideia de que, no futuro, somos criados por outros seres é bastante especulativa, por isso, para a maioria das pessoas, parece até estranho pensar neste futuro em que tal será possível. Parece-nos uma teoria da conspiração, e tendemos a rejeitar teorias da conspiração. A hipótese tem elementos negativos, por isso não estamos assim tão interessados em considerá-la.

"Em caso de simulações, será mais interessante simular os momentos mais importantes que já aconteceram, e nós estamos num período importante. Muitos investigadores dizem que estamos na mais importante era."

No entanto, o futuro poderá ser realmente poderoso, e pode ser que os seres desse futuro passem algum tempo a simular o passado. São possibilidades razoáveis. É preciso questionarmo-nos quantos deles estarão interessados em simular-nos.

O argumento contrário será o de que, em caso de simulações, será mais interessante simular os momentos mais importantes que já aconteceram, e nós estamos num período importante. Muitos investigadores dizem que estamos na importante e especial era.

Porquê?
Num futuro próximo, serão tomadas grandes e importantes decisões que influenciarão o futuro a longo prazo. Por exemplo, poderemos ter uma guerra nuclear brevemente. Nesse caso, haverá uma longa devastação. Ou poderemos criar inteligência artificial que terá um impacto de longo termo. Os primeiros tempos desta tecnologia serão especialmente importantes para se saber qual será o seu desempenho. Estamos prestes a assistir a isso...

" É mais provável que eu e você estejamos numa simulação, porque os nossos tempo e espaço são especialmente importantes."

Também se pode dizer que, como estamos numa era tão relevante para a definição do futuro, os simuladores estarão especialmente interessados em nós. A partir desse ponto de vista, isso faz com que seja mais provável que sejamos simulados. Assim sendo, é mais provável que eu e você estejamos numa simulação, porque os nossos tempo e espaço são especialmente importantes. Pode ser que queiram até recuar um ponto imediatamente anterior para perceber qual foi a causa, os cenários precedentes, dessas grandes decisões.

Então talvez sejamos especiais o suficiente para sermos simulados... Talvez seja inteligente, tal como ainda hoje podemos pensar que a formação do Império Romano foi uma coisa especialmente importante para a História, mas há poucas pessoas no mundo a estudar o tema. No mundo de hoje, dedicamos apenas uma pequena fração de recursos ao estudo de momentos importantes e cruciais do passado, e isso deverá acontecer também no futuro. Como não haveria muitas dessas simulações, provavelmente não estamos numa.

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Mas, se estivermos a viver numa simulação de computador, não deveríamos estar a fazer aquilo a que nos temos dedicado? Deveríamos concentrar-nos em divertir-nos ou em tentar descobrir os nossos criadores?
Se não estivermos numa simulação de computador, estamos a fazer as coisas certas. Devemos olhar para o que fazemos, pesando as várias prioridades, na suposição de que o mundo é o que parece. Se o mundo não é o que parece, isso alteraria algumas das nossas ações, porque há suposições que já não seriam verdadeiras.

"Não haverá simulações uniformes de toda a História; não terão o mesmo nível de detalhe."

Se estamos numa simulação, provavelmente estaremos numa simulação pequena. O orçamento é muito mais barato para simulações pequenas. Se houver simulações grandes, será de eventos particularmente importantes; acontece em determinada casa, em determinado mês. Vão simular aquela casa em grande, com mais detalhes do que tudo o resto.

Não haverá simulações uniformes de toda a História; não terão o mesmo nível de detalhe. Se está consciente a ponto de fazer estas perguntas, é simulada a um nível muito mais elevado, com muito mais detalhe do que outras coisas no mundo. Assim, por exemplo, nesse caso, a maioria das simulações do mundo são de alguém como você que morará em Portugal. Não vão incluir África com tantos pormenores. Mas, se doa dinheiro a África, na suposição de que África existe, e de que lá vivem pessoas...

Essas prioridades abrem brechas nas histórias...
Sim. Tem de perceber que uma suposição pode estar errada. Pode não haver pessoas lá, e, assim, quando enviar o dinheiro, ele simplesmente desaparece porque essa parte da simulação simplesmente não existe. Não se simula tudo na íntegra; simula-se as coisas de que precisamos.

Se está a ser simulada, é porque algo em Portugal foi especialmente interessante e digno desse nível de atenção, mas o resto do mundo não será incluído nisso.

Com tamanhas lacunas nas nossas histórias, que podem até estar na origem de desinformação e teorias da conspiração... Como saber?
Está a perguntar-me: poderíamos saber se estivéssemos a viver numa simulação? O facto de suspeitarmos que podemos estar numa simulação não é, por si só, um indício disso. Os criadores iriam querer fazer uma simulação realista. Se a simulação não for muito realista, é motivo para desistirem, certo?

Seria "game over"?
Se tem o nível médio e habitual de dúvida em relação à realidade, então isso não é um problema, certo? Apenas se tiver um nível de suspeita invulgarmente alto em comparação com o intervalo das suspeitas médias. Ter uma suspeita apenas não é um problema, porque a realidade é assim.

"A maioria das simulações não seria apenas de um mundo menor, mas também de um período de tempo mais curto. Seria menos provável viver a sua vida inteira. Não terá necessidade de poupar para a reforma."

Mas pode ter a certeza de que essa teoria está certa e não querer dizer porque não quer desligar a simulação.
Sim, mas isso não é verdade. Mas digamos que, se houvesse uma falha numa história padrão, como, no filme "Matrix", há uma falha visível. Se, quando fazem a simulação, cortam cantos e mais cantos, criam uma falha. Depois, alguém na simulação vê a falha e diz: "isto é uma simulação"... É realmente muito fácil consertar.

Quando se está a executar uma simulação, se se encontrar um problema, pode fazer-se backup no instante antes da falha. Haverá esse poder, por isso realmente não haverá uma maneira de saber, exceto se eles quiserem que você conte. Só teria uma indicação clara se fosse isso que eles quisessem que visse. Portanto, não devemos concentrar-nos nisso, mas em outras coisas.

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Quais deveriam ser as nossas prioridades?
Depende. Temos de nos questionar sobre qual é a probabilidade de estarmos na simulação de alguém. A probabilidade pode ser um num milhão ou um em dez. Disso dependerá quanto ajustamos o nosso comportamento. Se essa hipótese for apenas uma num milhão, não devemos fazer quase nada de forma diferente. Se for uma probabilidade de um em dez ou talvez 70%, deve ajustar mais o seu comportamento. Se tem as prioridades usuais, ou seja, não quer morrer e quer divertir-se, se estiver numa simulação, enfrentará esse obstáculo de fazer parte de uma simulação menor, e provavelmente ela terminará em breve. A maioria das simulações não seria apenas de um mundo menor, mas também de um período de tempo mais curto. Seria menos provável viver a sua vida inteira. Não terá necessidade de poupar para a reforma. E também não envie dinheiro para África porque África não existe. Deve viver mais o hoje, em essência, porque é menos provável que as outras coisas existam.

A importância não é relativa? A morte de alguém pode tornar essa pessoa imensamente importante para a alteração da História...
Claro. Se se tratar de uma simulação muito pequena, então o momento em que ela termina pode depender de quão interessante é. Tenho de me perguntar: quão interessantes são as pessoas em meu redor? Quão interessante sou eu?

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Conhecendo todas essas possibilidades, com o que se preocupa?
Em algum momento nos próximos mil anos, a Humanidade tomará a maior decisão de sempre, que será permitir, ou não, a expansão para o Universo. Tenho medo de que façamos mal essa escolha. A razão pela qual nos estabelecemos e dominamos ao longo dos últimos séculos foi termos conseguido cada vez mais governação global e uma comunidade global. Temos gostado da capacidade de resolver problemas globais fazendo coisas juntos.

"A questão será permitir que qualquer um de nós saia, porque assim que qualquer um de nós deixar o Sistema Solar, a era da coordenação global terminará, e a competição regressará para sempre."

E assim continuaremos, e esperamos resolver muitos grandes problemas globais dessa forma: o aquecimento global, a desigualdade, a inovação, a crise financeira, a pesca excessiva... Como essa governação global corre bem, vai limitar a mudança. Possivelmente quem liderar dirá: "Bem, não temos tanta certeza de que queremos competição ou mudança, porque parece assustador."

Vamos encher o Sistema Solar com uma vasta e avançada civilização. A questão será permitir que qualquer um de nós saia, porque assim que qualquer um de nós deixar o Sistema Solar, a era da coordenação global terminará, e a competição regressará para sempre. Os nossos descendentes vão para as estrelas. Competirão entre si e alterar-se-ão de formas radicais que não poderemos depois parar ou controlar. Deixará de ser possível reunir-nos todos e decidirmos juntos o que fazer. Exceto se ficarmos todos no mesmo Sistema Solar. Por isso, será tentador não permitir que ninguém saia. Temos, neste século, muito menos guerras e conflitos físicos. Isso continuará a ser verdade. Quando nos expandirmos para as estrelas, a guerra regressará, com uma dose de vingança. Por isso, essa será a maior decisão que enfrentaremos nos próximos mil anos: permitir que alguém saia.

" No Universo que existe nesses milhões de galáxias, tudo estaria fora de controlo: conflito, evolução, concorrência, transformação dos nossos descendentes em estranhas criaturas alienígenas."

Preocupo-me que façamos mal essa escolha, porque muito estará em jogo. Podemos, em média, preencher o milhão de galáxias mais próximas com coisas ambiciosas e interessantes, ou só preencher o Sistema Solar com concretizações interessantes. Há algo muito grandioso de que se abrir mão.

Por outro lado, no Sistema Solar, teríamos uma comunidade que controla a mudança e o conflito, onde gostamos de estar juntos e gerir as coisas juntos. No Universo que existe nesses milhões de galáxias, tudo estaria fora de controlo: conflito, evolução, concorrência, transformação dos nossos descendentes em estranhas criaturas alienígenas.

Sabe por que lhe fiz essa pergunta?
Porque este é um ponto crítico, em que podemos expandir lá para fora. E, então, haveria mais possíveis criadores que poderiam fazer simulações.

Ser uma simulação no cenário em que nos expandimos torna-se mais provável...
Compreendo, essa é a ligação.