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A Cimeira dos BRICS, o Mundo Multipolar e a Africa

Os “BRICS”, agrupamento que designa o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul ( S de South Africa) tiveram uma evolução inusitada.

Inicialmente, a sigla foi cunhada por um banco de investimentos dos Estados Unidos para designar um grupo de países emergentes com potencial para se tornarem grandes economias. Em seguida, houve uma Cimeira organizada pelos países do grupo que adotou o nome BRICS. Depois, tornou-se um bloco económico, enquanto a China lançava a sua grande iniciativa global BRI “Belt and Road Initiative” e os membros do grupo criavam um banco de desenvolvimento para neutralizar a influência do Banco Mundial, visto como um instrumento dos interesses dos Estados Unidos e da Europa.

Hoje os BRICS pretendem ser um contrapeso a nível global ao G-7 – formado pelos Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido, Canada, Itália, Japão e a UE como participante – tanto do ponto de vista geopolítico quanto geoeconómico, uma espécie de G-5 para o Sul Global.

É por essa razão que a Cimeira que se aproxima, marcada para a Africa do Sul de 22 a 24 de Agosto, constitui um momento crítico para o grupo.

Depois de ter atraído a atenção internacional se o presidente russo Putin iria ou não comparecer à Cimeira dos BRICS na África do Sul com um mandato de prisão internacional às costas, os holofotes sobre a Cimeira diminuíram quando Putin anunciou que participaria na Cimeira no formato “online” e não pessoalmente. Mas isso foi apenas uma distração aos verdadeiros desafios da Cimeira.

Os verdadeiros desafios da Cimeira de agosto são dois: o alargamento do grupo e a liderança da China. Um não pode se materializar sem o outro.

Hoje o mundo enfrenta uma redefinição da globalização. E isso tem muito a ver com a emergência da China como superpotência económica e militar.

O desafio que a China representa para a hegemonia mundial dos Estados Unidos pode vir a ser mais importante do que aquele representado pela União Soviética no século passado durante a Guerra Fria. A União Soviética representou um desafio militar para os Estados Unidos, mas nunca ameaçou economicamente a hegemonia americana.

Hoje a China está numa corrida com os Estados Unidos para a hegemonia económica e militar, embora os Estados Unidos ainda estejam muito à frente.

A China precisa de alianças militares e económicas para fazer frente à hegemonia americana.

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos tinham a OTAN e a União Soviética tinha o Pacto de Varsóvia como contraponto militar. Os Estados Unidos e os seus aliados dominaram e dominam os mecanismos de decisão multilaterais, nomeadamente o Conselho de Segurança das Nações Unidas (dos cinco membros permanentes com direito de veto, três são do Ocidente: Estados Unidos, Reino Unido e França), o FMI e o Banco Mundial. Os Estados Unidos tiveram e ainda têm aliados fortes na União Europeia, Reino Unido, Canadá e Japão.

A China está longe de controlar os mesmos mecanismos e estruturas supranacionais de tomada de decisões políticas, militares e económicas. As alianças que a China possui são frouxas do ponto de vista institucional, militar e económico, e o seu papel de liderança não é reconhecido da mesma forma que os países ocidentais reconhecem os Estados Unidos. A posição da China em relação a guerra da Ucrânia está longe de ser uma aliança militar com Moscovo e não tem o mesmo alcance que a NATO, que alterou o xadrez geopolítico na Europa com a adesão da Suécia e da Finlândia na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia.

É nesse contexto que devemos analisar os desafios da Cimeira dos BRICS de agosto em termos de alargamento e liderança do grupo. A China precisa alargar o grupo para poder liderar. Acrescentar outros grandes países emergentes aumentaria a legitimidade dos BRICS e o seu papel geopolítico e geoeconómico mundial.

É também por esta razão que existem tensões dentro do grupo, nomeadamente com o Brasil e a Índia, que não são muito favoráveis ao alargamento do grupo.

Tanto o Brasil como a Índia têm aspirações de desempenhar um papel mais importante nos mecanismos multilaterais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, e estão compreensivelmente relutantes em participar de qualquer reformulação do multilateralismo que beneficie a China mais do que qualquer outro país. Eles são, portanto, muito menos propensos a se alinharem totalmente com uma instituição como o BRICS, que ameaça se tornar um instrumento de uma ordem mundial liderada pela China.

Mas, a menos que a Cimeira seja um fracasso total, é muito provável que a Cimeira dos BRICS produza resultados positivos nas duas frentes do alargamento e da liderança do grupo, sem, no entanto, entregar a liderança total à China.

Um mundo cada vez mais multipolar, mas com incertezas

Qualquer progresso na Cimeira dos BRICS servirá para acelerar a multipolarização do mundo. Os dois pivôs serão, sem dúvida, os Estados Unidos e a China, mas as alianças entre países, especialmente políticas e económicas, serão multidimensionais ou, para usar outro termo, de geometria variável.

Como será esse mundo multipolar ainda não está muito claro. Mas os efeitos já se fazem sentir na reorganização das alianças políticas, económicas e comerciais em todo o mundo.

Paradoxalmente, isso dependerá da cooperação entre os Estados Unidos e a China. As duas superpotências têm de definir os parâmetros e a base de segurança do novo sistema, como fizeram os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria por meio de tratados de contenção nuclear.

No presente caso, a base não seria necessariamente militar como na guerra fria. Ela deve ser mais ampla para incluir mecanismos multilaterais de tomada de decisão, relações comerciais e económicas, transição climática e apoio aos países em desenvolvimento. Um acordo de princípio entre as duas superpotências nessas áreas permitiria dar impulso e direcionamento às negociações noutros fóruns mais representativos da comunidade internacional.

Hoje a relação entre os Estados Unidos e a China é de pura competição com risco de se perder o controle e descambar em conflito aberto. Os Estados Unidos preparam-se para esta eventualidade, acelerando o deslocamento da produção de “chips” de Taiwan, actualmente o maior produtor mundial, para os EUA ou países aliados, tornando Taiwan menos estratégica do ponto de vista económico, caso a China decida invadir a ilha. Hoje, a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) é a maior fabricante de chips semicondutores. Esta empresa produz cerca de 90% dos chips de alto desempenho em todo o mundo. Além disso, controla mais de 50% do mercado global de fundição de semicondutores em termos de receita. Uma invasão de Taiwan pela China teria imensas repercussões na economia mundial, afetando todas as cadeias de produção industrial que requerem chips semicondutores.

Três viagens recentes à China de importantes figuras políticas americanas, o secretário de Estado Antony Blinken, a secretária do Tesouro Janet Yellen e o enviado especial para o clima John Kerry não permitiram que uma base comum de diálogo e cooperação fosse encontrada entre as duas superpotências, para servir de âncora para negociações entre o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente da China, Xi Jinping. E é improvável que isso aconteça antes das eleições presidenciais dos EUA em novembro de 2024.

Fim do não-alinhamento e a posição da África

Durante a Guerra Fria, muitos países em desenvolvimento seguiram uma política de não alinhamento com os dois blocos representados pelos Estados Unidos e União Soviética. Esta posição estava de acordo com a política dos países não alinhados de dar prioridade absoluta à descolonização na Ásia e na África.

Hoje já não faz muito sentido falar em política de não-alinhamento. Porque o mundo multipolar de hoje é muito diferente do mundo bipolar da Guerra Fria. Os países africanos devem seguir uma agenda articulada em três pontos:

Em primeiro lugar, África deve procurar os meios para estar adequadamente representada nos mecanismos multilaterais de decisão, nomeadamente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no FMI e no Banco Mundial, e não apenas ser chamada a votar por esta ou aquela causa.

Em segundo lugar, as relações económicas e comerciais globais no final do século 20 e início do século 21 foram impulsionadas por grandes multinacionais americanas, reforçando a hegemonia económica dos EUA. Hoje, essas relações são cada vez mais impulsionadas pelos governos dos países desenvolvidos, nomeadamente nos EUA e Europa, seguindo uma lógica geopolítica e geoeconómica. Os países africanos devem posicionar-se neste processo defendendo os seus próprios interesses e estabelecendo acordos de geometria variável que produzam benefícios mútuos. Os Estados Unidos, a Europa, a China, o Japão, a India, e o Brasil, entre outros, representam polos económicos importantes para os países africanos. Tal como na UE, onde as políticas económicas da União são cada vez mais definidas tendo em conta o contexto económico e comercial global, também as organizações económicas regionais em África devem integrar esta dimensão nas suas políticas regionais. Isso vai muito além de acordos puramente comerciais para incluir dimensões económicas, sociais e ambientais/climáticas, investimento sustentável e dívida pública.

Terceiro, a Africa sempre esteve ligada às cadeias de valor globais pela base, ou seja, pelas matérias-primas, acrescentando pouco valor aos produtos vendidos globalmente. Hoje, a transição climática, a revolução digital e a inteligência artificial são os grandes vetores do desenvolvimento económico e social neste século e oferecem grandes oportunidades de desenvolvimento sustentável. África deve aproveitar esta oportunidade e procurar aumentar localmente o valor acrescentado em novas cadeias de valor globais e evitar uma nova corrida para África (“Scramble for Africa”) com o único objetivo de obter matérias-primas necessárias para novas tecnologias para a transição climática.

José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola