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EUA e Rússia inauguravam o “telefone vermelho” há 60 anos

Depois da crise dos mísseis de Cuba, Washigton e Moscou criaram linha direta de comunicação para evitar a escalada de conflitos. Ainda em operação, pouco se sabe sobre uso atual do sistema em meio à guerra na Ucrânia.

O mundo já havia atravessado duas guerras mundiais – de 1914 a 1918 e de 1939 a 1945 – e, em outubro de 1962, o terceiro conflito global parecia iminente. A superpotência comunista da União Soviética instalou mísseis nucleares no território de Cuba, seu aliado. Os Estados Unidos estavam a apenas 180 quilômetros de distância, o que fez com que os americanos se sentissem ameaçados e impusessem um bloqueio às rotas marítimas na região.

Após um avião americano ter sido abatido, muitos esperavam pelo pior. Mas, no último momento, o líder soviético Nikita Khrushchev anunciou através da Rádio Moscou que as armas nucleares seriam retiradas de Cuba. O mundo pôde então respirar novamente.

O choque de uma catástrofe por pouco evitada deixou marcas profundas e levou os dois lados a pensar em maneiras de aumentar a confiança mútua, apesar e, precisamente por isso, da sua inimizade. Dessa forma, as duas superpotências concordaram em criar uma linha direta de comunicação entre as capitais Washington e Moscou.

Dez meses após a crise dos mísseis, no dia 30 de agosto de 1963, o chamado “telefone vermelho”, a linha direita entre Washington e Moscou, entrou em operação. Não era, porém um telefone, mas sim, um telex – um sistema que enviava mensagens escritas. Mesmo naquela época, essa técnica já era tida como antiquada. “Mas, ao contrário do telefone, era à prova de escutas”, destaca o historiador Bernd Greiner.

Isso era algo muito importante para as duas superpotências. “Eles queriam assegurar que nenhuma outra parte, quem quer que fosse, pudesse espioná-los”, acrescenta Greiner. A primeira frase enviada como teste pelos EUA à URSS parece codificada – e realmente era: “A rápida raposa marrom pulou sobre as costas do cão preguiçoso 1234567890”.

Por que a falta de sentido? Porque no inglês original essa frase continha o alfabeto completo e todos os dígitos utilizados no idioma.

“Sinal de tranquilidade para o mundo”

No início, a linha direta não era um telefone, muito menos vermelho, como é retratada em alguns filmes. É por isso que Bernd Greiner, um americanista especialista em Guerra Fria, diz se tratar de um gesto simbólico. “Era um sinal externo para tranquilizar o mundo de que o valor da comunicação mútua de emergência havia sido compreendido, e que não queriam deixar as coisas irem tão longe, como a situação de ameaça do outono de 1962.”

Greiner menciona as falas do então presidente dos EUA, John F. Kennedy, e de seu secretário de Defesa, Robert McNamara: “vivenciamos o limite da nossa margem de manobra”. A lição aprendida com a crise dos mísseis de 1962, portanto, foi a seguinte: não houve gestão nesta crise, ficou-se na dependência do acaso e da boa vontade da outra parte. Por isso, foi necessário encontrar outros meios e formas de comunicação.

O telex foi muito pouco utilizado. “Foi ativado poucas vezes para testes, mas não foi usado em situações críticas de decisão”, conta Greiner.

Quando a paz mundial parecia gravemente ameaçada, o telefone clássico era acionado, como durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, entre Israel e diversos Estados árabes, e a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Nas duas ocasiões, havia o risco de uma crise global, com os Estados Unidos ao lado de Israel e a União Soviética do lado árabe.

As mudanças na linha direta

Nessa época dramática, o antigo telex foi substituído por um telefone via satélite. Com a queda do muro de Berlim, em 1989, o fim das ditaduras comunistas no Leste Europeu e o colapso da Uniao Soviética, em 1991, um sistema de alerta precoce entre Washington e a agora capital da Rússia, Moscou, parecia ter se tornado supérfluo.

Além disso, inovações tecnológicas, em particular, a internet, possibilitaram há muito comunicação rápida e à prova de escuta. Há décadas a conexão entre Washington e Moscou utiliza a tecnologia de ponta. Há também canais de comunicação entre outras capitais ao redor do mundo para situações de crise.

É difícil avaliar, se o “telefone vermelho” tem sido usado com frequência após a invasão russa da Ucrânia. “Não sabemos, é claro que essa forma de comunicação não é divulgada”, diz Greiner.

Menos contato do que na Guerra Fria?

O especialista diz que é sabido que o presidente dos EUA, Joe Biden, conversou algumas vezes por telefone com o líder russo, Vladimir Putin. “Mas, o que ocorre além disso nos níveis intermediários ou militares em termos de contato está além do nosso conhecimento”, acrescenta. Greiner duvida, porém, que uma linha direta de qualquer tipo possa ajudar na atual guerra da Ucrânia.

“O problema é que a comunicação, especialmente entre militares e também diplomatas, foi praticamente interrompida. Há uma espécie de silêncio nesses níveis”, lamenta o historiador. “Isso diferencia a situação que vivemos hoje da que ocorreu no auge da Guerra Fria”. Ou seja, no tempo em que os poderosos em Washington e Moscou decidiram estabelecer a linha direta.