Sao Tome
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Espaço público, Democracia, Debate Público

Alguns comentários levaram-se a iniciar uma reflexão sobre a gravidade do gradual desaparecimento de espaços públicos para debate sobre questões públicas. É no espaço público que ocorrem as interacções entre os indivíduos. No espaço publico se cruzam indivíduos de variada condição e estatuto: ricos e pobres, desempregados e excluídos, homens e mulheres, jovens e adultos, os inseguros e os aparentemente seguros. Aprendemos a ser quem somos na interacção com o outro. Isso foi sempre assim mas mudou radicalmente nas últimas décadas com a globalização e as novas tecnologias de comunicação.

Se a globalização e as novas tecnologias trouxeram vantagens inegáveis para as sociedades os seus efeitos negativos não são suficientemente valorizados sobretudo em dois domínios: O Estado e o Individuo: Os efeitos são no meu ponto de vista muito preocupantes.

 Ao nível do Estado o conceito de soberania nascido com o Estado moderno no século XVII foi de tal maneira alterado que hoje falar de soberania sobretudo na periferia do sistema mundial precisa de ser urgentemente repensado. Não existe mais a autonomia de decisão, mesmo nos países no centro do sistema. A interdependência complexa do mundo de hoje invade áreas que até há pouco tempo eram reserva intocável do Estado. A crise do Estado de bem-estar social é uma das evidências. Nos países periféricos como o nosso o Estado torna-se vulnerável a interesses dos poderosos: Estados mais fortes, empresas multinacionais, organizações criminosas, etc. Esses interesses penetram as estruturas do poder e corrompem os mecanismos de decisão nacional.

Por outro lado os efeitos sobre o individuo são dramáticos. No momento em que a soberania do Estado está fragilizada o individuo é cada vez mais soberano. O individuo no nosso momento histórico tende a negar qualquer valor de referência. Enquanto nas sociedades tradicionais o valor do individuo era menor do que o colectivo porque era nas instituições (família, comunidade, religião, classe social, ideologia) que ele encontrava referências para a sua identidade, hoje o passado não é mais referencia, os laços com a comunidade em que se insere são frágeis e soberanamente ele assune o seu destino criando valores para si mesmo, valores conformes as mudanças rápidas que ocorrem.

Cada um decide o que é certo ou errado, bem ou mau; justo ou injusto. O individuo é um empreendedor que tem quase total responsabilidade pelas suas decisões. Ele se posiciona no espaço público solitariamente em busca de objectivos pessoais. Nos espaços públicos actuais, sobretudo nas redes sociais, a maioria dos participantes usam máscaras (perfis falsos) para se apresentarem como cidadãos e portanto não há verdadeira interacção, aceitação ou solidariedade entre estranhos.

As pessoas sentem-se seguras para dizer o que querem porque as máscaras que usam lhes permitem, no anonimato, expor suas angústias, sucessos, ódios, sonhos e pesadelos, traumas e aflições. Por outro lado quase todos querem ser perfeitos, parecer perfeitos. Ter sucesso não é suficiente, ser feliz não é suficiente. Precisamos mostrar aos outros que somos felizes, que temos sucesso. Os “selfies” são indispensáveis. As pessoas preferem o relacionamento nas redes sociais porque podem conectar-se com outro sem dificuldade e criam uma relação que não obriga a qualquer responsabilidade ou obrigação de estar a disposição do outro. Assim como é fácil conectar-se, ter-se milhares de “amigos” é fácil desconectar-se. É impessoal, é mecânico. É só bloquear.

Naturalmente surge o afastamento entre pessoas. Esse afastamento entre os indivíduos suscita uma dificuldade e um desinteresse por negociar interesses comuns e um destino compartilhado; este afastamento dá origem a uma falta de comprometimento com projectos que satisfaçam interesses comuns. Durante muito tempo, celebramos a individualidade como algo extremamente positivo porque permite a cada um ser quem quer ser longe da tutela familiar, social, religiosa ou política.

O individuo livre entrava num contrato social, para garantir que interesses individuais não pusessem em causa interesses colectivos colocando em perigo a ordem e a tranquilidade e até a própria sobrevivência da comunidade. No quadro do contrato social foram dadas ao Estado prerrogativas e poderes legais para assegurar esse equilíbrio e punir quem atentasse contra o bem comum. As outras instituições da sociedade ajudavam a manter essa ordem aceite: a família, a escola, os lugares de culto religioso, os partidos, etc.

A globalização pôs em causa esse contrato social ou no mínimo alterou os seus termos básicos. Ao Estado pede-se hoje que tenha cada vez menos interferência nos assuntos colectivos e deixe o mercado regular as relações, todas as relações, já que indivíduos procurando o seu melhor interesse, satisfazem também interesses gerais. Deixado sem o guarda-chuva do Estado, o individuo passa a ser o administrador exclusivo do seu presente e futuro. Ele tem que se ocupar apenas de si mesmo, e quando não consegue, a culpa é só sua, porque não trabalhou o suficiente, não teve os comportamentos mais adequados, não investiu o suficiente em si mesmo, etc, etc.. Acho que foi Tocquivile quem disse que “o individuo é o pior inimigo do cidadão”.

A diferença entre os dois está no facto do cidadão buscar satisfazer as suas necessidades a partir do “bem comum” enquanto o individuo busca a sua satisfação pessoal antes do colectivo. Unir-se aos outros pode se tornar um bloqueio para as conquistas individuais. No passado, no tempo das grandes lutas sociais por liberdades, direitos e mais igualdade, era no espaço público que os indivíduos se encontravam, confrontavam, dialogavam e procuravam no debate público, manifestações, marchas, etc, os caminhos possíveis de convergência mínima. Era no espaço público que se exercia a prática política tão necessária ao aprofundamento da democracia. Hoje o individuo está em risco e numa instabilidade constantes devido a rapidez das mudanças.

O individuo está obrigado a adaptar-se as condições de cada momento e adquirir habilidades novas para acompanhar o ritmo frenético das mudanças. A precariedade é constante, a insegurança é permanente, e as identidades são maleáveis as situações que mudam. Parece não haver lugar para convergências abrangentes. Cada um deve saber de si e ponto final. Os poderes da actualidade não estão preocupados com essa anormalidade social representada pelo desaparecimento progressivo do espaço público. O espaço público existe mas ele está invadido por problemas, anseios, angústias, e desejos de partilha de momentos privados, mesmos os mais íntimos. Tudo vale para obter um “Gosto” Há pouco lugar para debate.

Todos, desamparados, buscam aceitação, aprovação e reconhecimento. É mais fácil clicar no “Gosto” e “Não Gosto”, fazer a soma e a subtracção e ficar feliz, frustrado ou infeliz. É uma forma simples de estar conectados. Com gente que mal se conhece mas que comanda as vidas de muitas pessoas sem raízes de qualquer espécie. Isso tudo é dramático mas pode ser trágico.

Este individuo “soberano”, “livre”, torna-se um escravo não de um ditador mas sim da tecnologia que aparentemente o liberta. Ele está preso ao seu celular, uma verdadeira coleira que o liga ao mundo virtual e o sujeita a poluição mental.Logo que acorda vai as redes para ver o seu ídolo: que sapatilhas comprou, onde jantou, com quem; como está o seu corpo perfeito; para onde viajou; qual é a sua última conquista amorosa? Na sua mente desprevenida, necessidades e aspirações alheias ao seu contexto, se instalam, se modificam e o condicionam. Como administrador da sua vida ele vai em busca freneticamente de bens que o vão fazer feliz. A sua aparente liberdade torna-o um escravo. As partilhasque faz mostram o que gosta, o que valoriza. Esse conhecimento sobre nós, inclusive da nossa intimidade, torna-se poder nas mãos de outros.Não só de um ditador mas sobretudo das forças do mercado dito livre.

A questão importante é a seguinte: Como tudo isso se reflecte no nosso país? O que significa soberania no actual contexto? E sobre o individuo? O individualismo como descrito acima está restrito às nossas elites ou ele já transbordou para as restantes camadas da sociedade? Ainda há tempo e espaço para resgatarmos o debate público e fazer dele um instrumento que gera convergências essenciais para mudarmos de rumo? Somos capazes de abandonar os guetos partidários, as mentalidades fixas, as crenças limitantes, os preconceitos enraizados, os ódios cegos, desejos infames e supérfluos, a indiferença cúmplice, para pensar em conjunto, enriquecidos pelas nossas diferenças, uma comunidade que tenha esperança no futuro e tenha coragem para acreditar que tudo ainda é possível? Acho que não temos escolha. Não podemos recuar nem ficar parados. Temos de seguir em frente, mas temos de mudar de direcção. Juntos , nas nossas minúsculas diferenças. Gosto de acreditar que o impossível não existe quando o Homem quer.

Rafael Branco

B.I. 11213

rafabranco35@gmail.com

PS. Não quero reagir a alguns comentários aos meus dois últimos textos. Agradeço a todos que leram.Se eu tenho direito de dizer o que penso tenho de respeitar o que outros dizem, tenham ou não pensado. O que é importante salientar é que hoje na minha vida há uma regra: há coisas que controlo, elas são minha responsabilidade, tenho de lidar com elas; as coisas que não controlamos, são responsabilidade alheia. Não controlo se vai chover ou não, não controlo trovoadas, e outras calamidades, tenho de aceitar e adaptar o meu comportamento a essa realidade; não controlo o que as pessoas dizem sobre mim, não posso impedir que me insultem, nem que espalhem injúrias. Se não controlo não podem ser motivo de preocupação.

Os meus textos eram um convite à reflexão, não eram uma acusação, certamente uma manifestação de alarme, longe ser a Verdade definitiva. Pessoas que pensam farão os seus juízos, as que não pensam dirão o que os seus instintos básicos lhes mandarem dizer.

Quanto a mim reconheço na minha trajectória de vida, culpa, vergonha, medo, ilusões e apegos. Sou imperfeito e vulnerável e lido com as minhas imperfeições diariamente para me tornar uma pessoa melhor. Para lidar com as nossas imperfeições e vulnerabilidades precisamos saber quem somos. Pergunta de resposta difícil, que exige muita e profunda investigação no interior de nós mesmos.

Só sabendo quem somos podemos mudar e mudar no sentido de estar melhor sintonizados com o papel que o nosso criador instalou no seio do nosso coração. Aconselharam-me a ver-me ao espelho. Percebi o sentido. Exercício diário. Na superfície do espelho você se vê, mas é na profundidade do SER que alguém se conhece.

O espelho mostra-me as marcas das cobranças do tempo no meu corpo, o espelho mostra-me sobretudo que estou vivo e todos os dias expresso a minha gratidão.A busca da serenidade e clareza de propósitos, exige que nos aceitemos como somos e abandonemos pensamentos limitantes, pratiquemos a coragem, trabalhemos na auto-estima, façamos a conexão com o próximo. Por isso acho arrogante quem afirma ” eu conheço bem fulano”. Conhecermos a nós próprios é tarefa muito difícil, quanto mais os Outros.