Cape Verde
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Concessão de aeroportos: soberania nacional pode estar em causa

A concessão do serviço público aeroportuário à Vinci Airports, para além das “pontas soltas” descritas na anterior edição, levanta também a questão da defesa do interesse nacional, porquanto, nesse negócio, o Governo não conservou mecanismo que lhe possa a levar agir face a um eventual incumprimento pela parte concessionada. Isto colide, igualmente, com recentes recomendações da IATA sobre os cuidados a ter com a privatização de aeroportos.

Uma questão das questões que se levantam, com a recente decisão do Governo de concessionar os aeroportos e aeródromos de Cabo Verde à Vinci Airports é como intervirá o Estado em caso de necessidade de defesa do interesse nacional ou da soberania nacional.

Isto tendo em conta que se optou pela ausência de um mecanismo, tipo de Golden Share, que permita ao Governo intervir em caso de grave incumprimento da concessionária ou necessidade de defesa do interesse nacional ou de soberania.

Perante esta situação, conforme um especialista contactado pelo A NAÇÃO, o Estado fica com uma única possibilidade, já que entendeu afastar a Agência de Aviação Civil (AAC) de qualquer intervenção neste processo, conforme o referido no artigo anterior.

“Não houve abertura do parceiro de referência para outras modalidades em que a nova ASA, por exemplo, ou o Estado pudessem ser acionistas? Em que fosse possível conservar a marca ASA associado ao negócio aeroportuário? Ou o Governo não fez questão ou não considerou estratégico?”, interroga o nosso interlocutor.

Este sublinha, entretanto, que “o risco é grande”, por ser também “real”: “Em todos os demais processos de privatização, os governos do MpD foram incautos e lacunares nesses aspectos críticos dos contratos, quando não foram os próprios advogados e especialistas das pretendentes a concessionárias e preparar os documentos e os diplomas. O caso recente da TACV está vivo na memória de todos”.

O mesmo especialista considera ainda que o Estado de Cabo Verde, mesmo com a privatização da ASA, deve saber que “neste sensível sector vai continuar a ter enormes responsabilidades”. Nomeadamente no que diz respeito à segurança, protecção e supervisão económica das entidades concessionárias.

Para a nossa fonte, à luz de algumas recomendações da ICAO (Organização Internacional da Aviação Civil), inserto no Doc 9082, sobre Taxas para Aeroportos e Navegação Aérea Serviços, “a concessão não deve de forma alguma diminuir a exigência do Estado de cumprir suas obrigações internacionais, nomeadamente as contidas na Convenção de Chicago, seus anexos e em acordos de serviços aéreos, e observar as políticas de tarifas da ICAO no Doc 9082 (Doc 9562 – Airport Economics Manual – refere-se o nº 2.27 e o Doc 9161 – Manual de Economia dos Serviços de Navegação Aérea – refere-se o nº 2.27)”, entre outros.

IATA “desaconselha” concessão e privatização de aeroportos

Em Dezembro de 2018, conforme uma publicação do antigo PCA da ASA, Mário Paixão, o director-geral e presidente da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, que congrega mais de 280 transportadoras em todo o mundo), chamou a atenção dos Estados para os cuidados a ter com a privatização dos aeroportos, seja por concessão, seja por venda de activos. 

Na altura, o presidente da  IATA, Alexandre de Juniac, reforçou as críticas dessa organização em relação ao modo de como as concessões são feitas no mundo. “As críticas são sustentadas por um estudo conduzido pela consultora McKinsey, cujas conclusões revelaram que as privatizações encareceram os serviços aos consumidores, elevaram custos às companhias aéreas e não trouxeram ganhos de eficiência substanciais”.

Juniac, segundo Paixão, diz mesmo que a IATA “em geral, não é favorável a privatizações, recomendando aos governos que tenham cuidado com esses processos”.

“Referiu, ainda, que o problema está na modelagem dos processos, normalmente feita em cima dos joelhos e sem regras para garantir benefícios de longo prazo aos passageiros e às transportadoras”, realçou.

“Já em Junho de 2018, a IATA tinha apresentado o documento ‘Airport Ownership and Regulation’, elaborado em parceria com a Deloitte, cujo sumário executivo adianta logo o problema da regulação económica, isto é, “a participação privada requer uma regulação robusta e lá onde ela existe deve ser revista no sentido de maior eficiência”.

Consoante a mesma fonte, até à data, as decisões estratégicas que nortearam a gestão da FIR Oceânica do Sal e dos aeroportos, sob a alçada da ASA, “propiciaram um salto qualitativo sem precedentes” na construção de um sistema de aviação civil “dinâmico e sustentável”, viabilizando ainda uma rede aeroportuária capaz de catalisar o turismo e o negócio aéreo.

“No processo de separação que agora se engendra, o vice-primeiro-ministro afirmou, de forma confusa, que a FIR é uma “CASH COW” (vaca leiteira) e que o “filet mignon” ficará no Estado, enquanto a vaca magra ‘Rede de Aeroportos deficitários’ vai para o privado”.

“Dá para entender?”, interroga Mário Paixão, sublinhando que “é evidente que as afirmações são desajustadas, para além de, pela primeira vez em 37 anos de actividade dessa região de informação de voo, ser etiquetada de forma tão rasteira por um titular de cargo público”.

Governo diz que fez “boa escolha”

O Governo garante que cumpriu a Lei ao fazer a adjudicação directa da concessão dos aeroportos e aeródromos de Cabo Verde ao grupo Vinci.

Ulisses Correia e Silva disse, na semana passada, que o seu executivo acabou por fazer “uma boa escolha”, por considerar que a Vinci “é uma empresa de referência mundial, das cinco melhores do mundo em gestão aeroportuária, que nos garante que temos uma boa solução”.

Confrontado por a decisão não ter envolvido um concurso público para a entrega dessa concessão, o primeiro-ministro assumiu tratar-se de uma opção do Governo, que prevê a concessão desde 2016 no seu programa.

Por seu turno, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, para muitos o governante que realmente dá cartas neste dossiê, garantiu que todos os direitos dos trabalhadores da ASA serão salvaguardados no processo de concessão do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil ao grupo Vinci Airports.

Olavo Correia disse ainda que não há motivos para “stress” e adiantou que após a promulgação da lei por parte do Presidente da República, o Governo vai dar início a um processo de diálogo em que todos vão ser informados e participantes desse processo.

“Nós pensamos que é fundamental que os direitos adquiridos sejam preservados e salvaguardados. Os sindicatos vão fazer parte desse processo e todos os direitos adquiridos serão salvaguardados”, disse, sublinhando que, com esse processo, o executivo está a defender os interesses públicos e dos colaboradores.

“Sobretudo, estamos a trazer um parceiro que será capaz de dar um contributo para acelerarmos o crescimento económico, para diversificarmos essa economia e para fazermos de Cabo Verde uma zona franca comercial, uma zona especial ancorada no negócio aeroportuário e no negócio de aviação a partir da ilha do Sal”, acrescentou.

O Governo avançou que com o modelo de negócio definido com a futura concessionária, no final de cada ano, o Estado cabo-verdiano terá direito a receber remuneração nos seguintes moldes: 2,5% das receitas brutas de 2022 a 2041, aumentando para 3,5% das receitas brutas de 2042 a 2051 e para 7% das receitas brutas de 2052 a 2061.

Caso as receitas ultrapassem as previstas no plano estabelecido, a concessionária terá ainda de partilhar receitas adicionais com o Estado, sendo 4% sobre até 10% e 8% adicionais sobre mais de 10%.

Além disso, a concessionária terá de realizar investimentos obrigatórios, no montante de 96 milhões de euros de 2022 a 2027, que vai desde remodelação de aeródromos, extensão de pistas, melhoria de terminais e de imagens nos aeroportos, redução do impacto ambiental e cumprimentos dos regulamentos aeroportuários.

A concessionária tem obrigação também de realizar investimentos não obrigatórios, em função da evolução do volume do tráfego aéreo, de 619 milhões de euros ao longo do período da concessão.

Desse total, 281 milhões de euros serão para ampliação das infraestruturas aeroportuárias e 338 milhões de euros para a manutenção.

O Governo esclareceu ainda que, além da gestão de ativos financeiros que detém, a ASA continuará com a responsabilidade de prestar os serviços de Navegação Aérea, nomeadamente na gestão da FIR Oceânica do Sal, que se manterá 100% na esfera pública, não sendo alvo de concessão a privados.

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