Cape Verde
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“Novos escravos” na embaixada em Roma

Os funcionários da embaixada de Cabo Verde em Roma, contratados localmente, vivem, há décadas, situações confrangedoras por causa do alegado descaso dos sucessivos Governos em relação aos seus direitos laborais. Nenhum desses funcionários têm direito a segurança social e nem os outros direitos de um trabalhador comum na Itália. O embaixador Jorge Gonçalves o processo “está a andar” e a “bom ritmo” para resolver a “situação”.

Numa carta subscrita pelos seis funcionários da embaixada de Cabo Verde em Roma, que A NAÇÃO teve acesso, e que tinha sido dirigida ao então ministro do Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, em Novembro de 2020, fala-se em situações de “escravatura”, porquanto, ao longo dos anos, essa missão diplomática “nunca” formalizou os vínculos laborais dos seus colaboradores, incumprindo, assim, com as imposições obrigatórias do estado italiano em matéria de contratação de funcionários locais.

Afirmam ainda que a regularização dos seus vínculos laborais “foi-se protelando” ao longo dos anos, sem que os sucessivos chefes de missão tivessem conseguido resolver o problema.

“Tanto é verdade que a última tentativa de solucionar o mesmo foi apresentada pelo actual chefe de missão, com uma concreta para os Orçamentos do Estado de 2019 e 2010, que, mais uma vez, como é do nosso conhecimento, não mereceu a atenção das instâncias competentes”.

Problemas acrescidos

Fazem questão de esclarecer que os custos sociais inerentes à contratação de um trabalhador na Itália “são elevados”, ou seja, calculados em mais do dobro do vencimento líquido auferido, com a agravante de estarem previstos ajustes automáticos de categoria e salário com o decorrer do tempo de serviço.

Lembram ainda que, para resolver o “problema crónico” da irregularidade contratual nas embaixadas, o Governo de Cabo Verde, através do Decreto-Lei 9/2016 de 12 de Fevereiro, no seu artigo 5º, previa a regularização da situação dos funcionários contratados localmente num prazo de 45 dias, após a sua entrada em vigor do diploma.

Na embaixada de Cabo Verde em Roma trabalham, actuamente, seis funcionários contratados localmente: Maria Silva, equiparada a técnica superior, exercendo funções de responsável de administração e finanças; Nelson de Brito, equiparado a assistente administrativo – Secção Consular; Jilvar Maria Soares Duarte, equiparada a assistente administrativo, exercendo as funções de secretária do chefe de missão, Dannya Lopes, equiparada a assistente administrativo – Secção Consular (tempo parcial); José António Almeida, exercendo as funções de condutor chefe de missão, João Pires, exercendo as funções de jardineiro, sem nenhum vínculo contratual.

Desses seis funcionários, cinco trabalham a tempo inteiro e um trabalha a tempo parcial. Contudo, apenas Maria Silva e Nelson Brito têm vínculo laboral, mas a embaixada nunca lhes pagou a segurança social. Os restantes não têm vínculo laboral e nunca foram inscritos na segurança social italiana.

Essa ilegalidade para com os funcionários locais da embaixada cabo-verdiana em Roma acaba por criar-lhes vários constrangimentos e limitações nesse país transalpino, como a privação da liberdade de circulação.

Também por enfrentarem dificuldades perante instituições públicas italianas declarando-se em situação de desemprego e nesta condição não lhes é permitido obter crédito bancário, arrendar habitação condignamente até mesmo celebrar contratos de água, luz e telefone. Tudo isto, sem falar na “impossibilidade” de inscrever os filhos na creche em determinadas escolas, de desfrutar dos serviços de assistência social como o médico de família, etc.

“Na Itália, qualquer serviço está ligado à inscrição segurança social. Se um trabalhador não estiver inscrito no mesmo, não tem direito à autorização de residência, médico de família e todos os serviços inerentes, tais como, assistência médica/medicamentosa e hospitalar, seguro do trabalho. Não goza de benefícios previstos pelo Estado Social, tais como maternidade, desemprego, não tem direito a uma futura reforma”, realçam.

“Novos escravos”

“Muitos de nós temos sobrevivido enquanto ‘encostados’ nos nossos parceiros ou parceiras que declaram estarmos sob a sua responsabilidade ou simplesmente desfrutando de um sistema de saúde italiano que por constituição é para todos”.

Perante tal situação humilhante, pedem que a sua situação laboral seja regularizada, porquanto consideram que neste momento estão numa situação de “novos escravos”.

Recordam, também os signatários, que, já no passado, “três funcionários recorreram à justiça, após o fim da relação de trabalho com esta embaixada e, em todos os casos a mesma foi condenada a pagar avultadas quantias de indemnização”. Salientam, igualmente que “tais ressarcimentos não somente comportaram um esforço económico para Cabo Verde, como penalizou o nosso Estado em termos de imagem no país de acreditação”.

Embaixador Jorge Gonçalves

Resolução para “breve” porque os trabalhadores “merecem”

Contactado pelo A NAÇÃO para reagir às denúncias dos funcionários da representação em Roma, o embaixador Jorge Gonçalves começou por realçar que a situação precaridade laboral dos colaboradores dessa missão diplomática “já leva décadas”.

Afirma, no entanto, que, “por sorte”, o processo está a andar e a “bom ritmo” no sentido da regularização “uma vez por todas da situação laboral dos trabalhadores cá”. Como diz, “foi feito um trabalho de fundo, que, inclusivamente tem custos, mas está tudo equacionado neste momento. O processo está nos serviços centrais e brevemente nos dirão da sua justiça”.

Gonçalves considera ainda que essa situação de precaridade laboral desses funcionários não tem tido implicações no desempenho profissional dos mesmos. “Estes funcionários merecem, de facto, que as suas situações sejam regularizadas”, porquanto, “apesar de estarem a trabalhar sem que as suas situações laborais estejam regularizadas, são pessoas dedicadas e trabalham com sentido de responsabilidade”.

O “empenhamento” desses funcionários, segundo este embaixador, leva-lhe a exercer uma certa “pressão” junto dos serviços centrais, no sentido de resolver esse problema, porque “eles merecem”.

Tentamos estabelecer contactos com a diretora-geral do Planeamento Orçamento e Gestão (DGPOG) do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Odete Correia, mas esta não atendeu os nossos telefonemas e nem respondeu à nossa mensagem.

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